1. situação em que se depende de alguém ou algo para sobreviver ou ter êxito
estou escrevendo um texto com o qual estou muito entusiasmado, porque me parece uma articulação original – e para a qual estou precisando estudar bastante. fico particularmente entusiasmado por ter sido gerado no contexto da disciplina de história do design que dei nesse último semestre. a boa aula, para mim, é uma situação altamente arriscada, de testar novas associações. essa é uma das razões pelas quais eu vejo muitos paralelos entre aula e análise. mais sobre isso em outro texto.
a aula foi uma tentativa de articular a teoria da dependência à situação de trabalho de design hoje – especialmente em recife. embora infelizmente tenha pouca circulação no debate público – e virtualmente inexistente no debate de design –, a teoria da dependência foi formulada nos anos 50 e 60 por economistas, sociólogos e filósofos latinoamericanos para compreender como e porque somos subdesenvolvidos. mais diretamente, nomes como ruy mauro marini, vânia bambirra, theotonio dos santos; contaminados pelas ideias, celso furtado, florestan fernandes, clóvis moura – ou mesmo ricardo antunes, eu diria.
parece tudo muito grande, muito distante, muito continental. mas parte do desafio foi tentar mostrar que não. aliás, que é tudo isso mesmo, mas que também tem repercussões muito imediatas no trabalho de design, na indústria criativa a que pertencemos. supostamente.
2. condição de uma economia cujas riquezas não são apropriadas no próprio país, mas expropriadas por países desenvolvidos
eu não faço questão de esconder que, via de regra, é a ideia de design como pensamento, método, etc. são dejetos liberais. mas tem um fragmento de verdade nisso. aprendi num texto de michael rock1:
a motivação mais básica para o design é o desejo profundamente humano por coerência. coerência significa simplesmente descobrir como as coisas se unem, mas, como somos nós que fazemos a colagem, as ordens que criamos são um reflexo dos nossos próprios desejos. (...) o design solidifica e naturaliza coisas que começam como opiniões, histórias e tradições, e assim dá forma às ficções pelas quais vivemos.
a dialética da coisa é que você só é capaz de níveis mais complexos de abstração quando há uma compreensão sólida do ofício. a materialização das abstrações só pode vir do contato íntimo com o real. talvez depois elabore isso (ou posso meter um david lynch e nunca elaborar). mas, voltemos para o tal do texto.
toda essa digressão foi para dizer que o entusiasmo de dar aquela aula e escrever esse texto vêm justamente da tentativa de ir do imediato ao abstrato; da escassez local de trabalho em design à divisão internacional do trabalho, a reprimarização da economia brasileira e a superexploração cognitiva das multinacionais.
3. cômodo de casa ou apartamento
quem se interessar vai poder ler com todas as refs e com explicações mais detalhadas, mas o TL;DR é o seguinte: continuamos fudidos. e todo esse espetáculo que fazem com os tais ~ecossistemas de inovação~ são essa galera vendendo espuma pra nós enquanto continuamos a ser um fazendão. hoje, a coisa é ainda pior com a financeirização e a especulação de capital. se depender dos cara, a gente vai morrer em ebulição climática, cercado por soja e pedindo carta pro tigrinho.
o nosso caso aqui em recife – o porto digital – me afeta de maneira muito particular, por várias razões. uma das razões nada desprezíveis é que isso é a condição e o desdobramento do movimento ocupe estelita, que ocorreu em 2014 e me impactou profundamente. o movimento emergiu já como a explosão sintomática de disputas territoriais e de direito à cidade no recife. o plano é ter mais um território – agora, com um verniz tecnológico – para fazer especulação imobiliária. estou usando os dados apontados em um artigo de duas professoras de arquitetura da UFPE2 para falar disso no texto.
no final, é tudo por pedaço de chão. não posso deixar de pensar que a nossa reforma agrária recalcada e denegada parece ter se manifestado em muitos outros sintomas3.
4. vício: nicotina causa dependência; dependência das drogas
minha preocupação com trabalho de design também é meio meta. quando vou narrar minha entrada na docência – e isso tá na minha tese4 –, sempre conto que saí de uma situação de precarização complicada e me vi na esteira para jogar mais pessoas na mesma precarização. por isso, editei uma coluna na revista recorte5. estar consciente disso não foi e não é confortável – e, talvez por isso, tantos colegas docentes escolhem virar a cara.
no processo desse texto, uma das coisas que tenho pensado muito é que não escrevo para explicar, escrevo para aprender. isso me entusiasma, dá um rush, entro no flow – fico meio obcecado, na real (com hiperfoco, diriam os jovens). mas, sempre quando termino, não sei se vale a pena – mas, sei lá. como meu analista já ouviu tanto: o que é valer a pena? o esforço passa, eu descanso. o texto fica.
mas eu gostaria de dar mais consequência prática a isso. sempre é muito difícil falar desse tipo de coisa, porque o horizonte não tem sido muito promissor nas últimas décadas – e não gosto de acabar com retrogosto de fatalismo. como meu conterrâneo, paulo freire, sou inteiramente contra o fatalismo.
portanto, se você se interessa pelo tema, tem um grupo de estudo, se reune uma galera que tem tocado nesses assuntos, participa de uma disciplina de graduação ou de pós que está aberta para isso, está fazendo um TCC, uma dissertação ou uma tese – sei lá, qualquer coisa – eu me coloco inteiramente à disposição para avolumarmos essa discussão. e isso não é pouca coisa.
https://2x4.org/ideas/2016/all-that-is-solid/. usei esse texto quando estava escrevendo meu projeto de pesquisa para o doutorado, que seria uma crítica teórica ao design especulativo.
Entre inovação e valorização imobiliária: a controversa trajetória de um parque tecnológico no Recife Antigo, Brasil, ana-cristina fernandes e norma lacerda, 2024.
por acaso (ou não), o mst publicou um minidoc no youtube esses dias, falando da história do movimento, desde os anos 80. é bastante frustrante ver a falta de priorização da reforma agrária na história do brasil, mesmo nos governos petistas. para discutir isso, valeria a pena voltarmos mais um pouco, para o contexto pré-golpe, com as lutas camponesas, e a modesta reforma agrária proposta por jango – mas fica pra outro momento.
“compartilhar experiências e aprender coisas”, de 2023. na seção 2.1, discuto o contexto do curso em que sou docente até hoje ao longo de quatro aspectos que entendi na pele quando comecei. na página 38, cito esse como o quarto deles.
“chão de fábrica” , cuja ideia é compartilhar experiências de trabalho em design.
David Lynch mencionado :v
Bicho, conhecendo um pouco tua rotina, estiga e atividades sou contra essa sensação que tens de que fazes pouco. Pensando melhor enquanto escrevo, acho até que poderíamos ir mais longe e pensar na insuficiência como sintoma social. Estamos exaustos e todo gesto parece insuficiente: a docência, a militânica, o trabalho dito criativo, o trabalho intelectual.... Nada escapa ao mercado, tudo vira consumo rápido, estilo, imagem e aí já era. Vivemos sob a égide um Rei Midas que toca e tudo vira plástico. Enfim, vamos esticar a prosa da insuficiência porque pode estar aí uma chave pra pensar uma insuficiência positiva, meio Bartleby, que diz "preferiria não fazer". Insificiência intensiva contra a insuficiência extensiva.... Sei lá, tô viajando, mas acho que tem coisa aqui pra pensar.