1. opinião que se tem sobre algo ou alguém.
esses dias, fui assistir a pecadores, o último filme de ryan coogler. fiquei muito surpreso quando saí da sessão, fui performar midiaticamente no letterboxd e vi as avaliações altíssimas. dei 2 estrelas e meia1, que na minha escala significa “bom passatempo”, e postei nos stories com a imagem de scorcese e sua polêmica frase de que o cinema morreu.
2. frase com conteúdo moral.
estava com gabi no carro, ouvindo um episódio do caoscast2. os participantes falam muito de cultura, consumo e tendências e, nesse episódio em específico, discutiam o que chamaram de “intimidade artificial”: o crescente comportamento das pessoas que consideram estar ~em uma relação~ com um chatbot. essa tendência, diziam eles, é um mercado crescente.
3. formulação do entendimento por meio de palavras.
um grande amigo e grande filósofo, italo, me diz que a filosofia é o trabalho com conceitos3. como vocês sabem, esse trabalho vem sendo sistematicamente suprimido no nosso mundo; seja no novo ensino médio, seja no mercado de trabalho neoliberal. tudo constante, a tendência é que esse tipo de trabalho deixe de existir, porque ele não é um trabalho ~útil~ no sistema capitalista.
no entanto, a filosofia é crucial para uma existência humana plena – e o desprezo do capital por ela é só um sintoma de sua desumanidade. trabalhar com conceitos é, de um lado, contornar os fenômenos do mundo e lhes dar inteligibilidade, especificando-os, e, de outro, ampliar nossa capacidade de representação do mundo, ampliando-os.
a falta de prática que temos tido com isso parece repercutir nesses dois causos que relatei. quando scorcese pautou essa discussão, ele estava operando com conceitos. quando o pessoal do caoscast reproduz a ideia de “intimidade” com um chatbot, eles estão esgarçando um conceito.
4. representação intelectual de um objeto, construída a partir de características consideradas relevantes.
desde sua origem, o cinema sempre possuiu uma dimensão de espetáculo – foi do teatro de vaudeville que ele nasceu, em termos de técnica e de público. mas, com o tempo, isso foi transformado por um tipo de obra que compreende uma certa coesão estrutural, narrativa4. cinema, nos termos compreendidos por scorcese, é aquele tipo de produção audiovisual a partir da qual ele se formou e a qual produziu durante a vida.
essa obra de coogler que foi tão bem aceita, pelo fato de ter sido tão bem aceita, confirma mesmo o que scorcese apontou: o cinema morreu. aliás, um cinema morreu. sendo mais explícito: esse determinado paradigma, esse conceito de cinema morreu. pecadores me parece, em vários sentidos, a antítese do cinema de que scorcese fala: o ecletismo das convenções de gênero, a pseudo-coesão narrativa, o didatismo do roteiro5. podemos continuar a denominar isso cinema, mas, parafraseando flusser, é uma pena que se fale de cinema nesses dois casos6.
intimidade é uma propriedade que se cria na relação entre pessoas; necessariamente envolve uma relação dialética entre identificação e alteridade. uma máquina – por mais inteligente que pareça – não proporciona alteridade. pelo contrário, todos esses algoritmos são criados para reforçar a nossa própria identificação narcísica, nos enclausurando cada vez mais no nosso próprio eu. chamar a “relação” que se cria nisso de intimidade é um vilipêndio à humanidade e um monumento ao cinismo neoliberal, só comparável a chamar os algoritmos de “inteligência artificial”.
4. significado de uma palavra ou expressão.
o desafio do trabalho com conceitos é precisamente o de manter a ostensividade entre a palavra e o fenômeno – e isso não se dá de imediato. esse é o próprio trabalho da pesquisa e das ciências sociais e humanas. afinal, “toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência imediata entre a aparência e a essência das coisas”7.
depois, reconsiderei e aumentei para 3 estrelas, que significa “massa”.
italo, perdão se eu estiver usando sua citação de maneira errada, hehehe
não à toa, a historiografia tradicional do cinema chama esse primeiro cinema de “cinema de espetáculo”. era de maneira derrogatória, no entanto; o cinema narrativo que surgiu passou a ser algo de “superior”.
só pra constar, eu gostei do filme; é mesmo muito divertido. só que essa ordem de diversão – o cinema como amusement – não é muito do meu gosto. mas é só isso, gosto. fora o didatismo excessivo, o filme é bem executado, tem um ritmo feliz e uma sequência particularmente muito bonita.
vou discutir o texto em que flusser fala isso em breve, numa próxima news!
vemos isso no capital, vol. 3, sec. VII, cap. 7, item III, quando marx está criticando o modo como os economistas vulgares naturalizam as relações capitalistas. não por acaso, é precisamente o que essas ideias de intimidade e inteligência estão fazendo.
Vale uma edição sobre intimidade. Fiquei com uma pulga aqui, será que só podemos ser íntimos humanamente? Quer dizer, a intimidade só existiria como um evento na cultura intraespecífica ou isso poderia se estender à outras espécies como os animais?
dou nota 4,5 que na minha escala significa super massa!!